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Textos Teóricos sobre o Barroco


[Barroco] * [Génese do Estilo] * [Cultismo] * [Concetismo] * [Crítica ao Barroco]


Barroco


Johann Sebastian Bach

1685-1750

Talvez o vulto mais proeminente da música barroca


Luís de Gôngora
(1561-1627)

Poeta espanhol e o grande mentor da poesia barroca na Península Ibérica

Cultismo

O CULTISMO, caracterizado por uma linguagem rebuscada, culta, extravagante, descritiva, serve-se sobretudo de três artifícios (jogo de palavras (ludismo verbal), jogo de imagens e jogo de construções) para esconder, sob um burilado excessivo da forma, uma temática estéril e banal. Trocadilhos, aliterações, homonímia, sinonímia, perífrases e extravagância de vocábulos são alguns dos artifícios de que se serve. É também designado por gongorismo devido ao escritor espanhol Luís de Gôngora, que serviu de modelo aos nossos poetas.

Concetismo

O CONCETISMO é, pois, caracterizado por um jogo de ideias ou conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Para tal, recorre a um conjunto de artifícios estilísticos como comparações, metáforas e imagens de enorme ousadia, ou ainda sinédoques e hipérboles, entre outros, que conduzem a uma tal densidade concetual que obscurece o seu conteúdo. Um dos principais cultores do concetismo foi o espanhol Quevedo.

Conceitos Predicáveis

Os conceitos predicáveis consistem em «figuras» ou alegorias pelas quais se pode realizar uma pretensa demonstração de fé, ou verdades morais, ou até juízos proféticos. O processo, como notou António Sérgio, deriva da interpretação do Velho Testamento como conjunto de «prefigurações» do que narra o Novo Testamento. Depois, os passos bíblicos tornaram-se pretexto para construções mentais arbitrárias, em que brilha o virtuosismo do orador. (Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DA LITERATURA)

À conversa com...

Entrevistas da minha própria autoria a diversos autores da nossa literatura: uma forma lúdica de facultar informação biográfica aos potenciais interessados. O primeiro contemplado é o Padre António Vieira.
Na Literatura Portuguesa, a designação e «barroco» para classificar determinada época e determinado estilo tornou-se quase ambígua, em virtude das muitas e desvairadas aceções que à palavra foram atribuídas. De «barroco» sinónimo de bizarro, de «barroco» esquema escolástico de silogismo falso, de «barroco» termo corrente na crítica de artes plásticas, sinal de mau gosto e coisa absurda, passou-se a «barroco», etiqueta histórica e estética, que se dava como equivalente ou palavra substituta de «Seiscentismo».

(...)

O barroco é fruto duma atitude espiritual complexa, carregada de elementos renascentistas, evoluídos ou alterados, atitude que leva o Homem a exprimir-se, na pintura, na arquitetura, na poesia, na oratória e na vida, segundo um modo "sui generis". Este modo concretiza-se na literatura por uma rebusca da perfeição formal, uma aventura de arte pela arte. Na prosa de Seiscentos, os períodos articulam-se em paralelismos e simetrias, em frações sabiamente bimembres ou trimembres, em antíteses (...).

Os limites cronológicos do barroco português podem fixar-se, sem rigidez, entre os anos de 1580 e 1680. (...) A prosa atinge nesta época a sua maioridade. Entramos num mundo novo de ritmo e estruturação da frase, num novo sistema de articulação das palavras na frase e das frases no discurso. A prosa «barroca» é uma prosa artística; possui a maturidade que não alcançara a prosa de Quinhentos. (...)

São barrocas obras como (...) os sermões de Vieira - no seu concetismo e na valorização da palavra como verbo - «logos» e música (...)

Mas o gongorismo não contagiou muitos prosadores seiscentistas, nem o concetismo obscureceu o significado dos seus parágrafos. Foi na poesia que a sombra de Gôngora se agigantou; o gongorismo levou muitos poetas ou pseudo-poetas de Seiscentos a exageros que se generalizaram. Nos primeiros anos do século XVII ainda a voga da poesia camoniana é grande , e tal voga acusa-se visível no cancioneiro barroco que é a FÉNIX RENASCIDA (v.), onde encontramos muitas glosas de poesias de Camões. Não se esqueça, no entanto, que o grande teorizador do barroco, Baltazar Gracián, cita Camões a título documentativo, no seu TRATADO DE AGUDEZA Y ARTE DE INGENIO. Talvez não fosse descabido procurar, pois, a génese do barroco português em agudezas camonianas, se é que não podemos vislumbrar já tal génese no CANCIONEIRO GERAL de Garcia de Resende.

Mas Gôngora é o grande mentor dos poetas maiores e menores de Seiscentos, que não se cansam de o imitar. (...) Alusões mitológicas, requintadas e brilhantes metáforas, nugas transformadas, pela capacidade dialética do verbo, em filigranas de beleza pura, cujo suporte mais corrente é o ritmo do verso e a eufonia das palavras - eis os ingredientes mais comuns da poética barroca. A poesia culta reluzia, brilhava, recamada de lantejoulas; eram de prata os rios, pérolas as lágrimas, e havia ouro e diamantes em quase todos os versos do Parnaso.

(Belchior, Maria de Lurdes, DICIONÁRIO DE LITERATURA)

Génese do Estilo Barroco
A saturação dos valores estéticos do Renascimento e a sua transformação

Parece poder concluir-se que nas raízes do estilo barroco está uma transformação dos valores formais do Renascimento através do Maneirismo. (...)

As coisas mais perfeitas, na verdade, desde que não variem, acabam, mais tarde ou mais cedo, por aborrecer. (...)

Por causa disto, os autores de qualquer escola, atingida a saturação, começam a sentir uma certa angústia psicológica e tratam de pesquisar novidades, na ânsia de serem originais e de darem ao público criações de interesse.

É assim que, mesmo inconscientemente, vão fazendo evolucionar os estilos. Geralmente, esta evolução não destrói o essencial; o essencial permanece, mas tão coberto de excessivos adornos que mal pode respirar e mal se enxerga. (...)

Parece que a proporção, a ordem e o equilíbrio dos melhores expoentes da arte acabam, em qualquer idade, por cansar toda a gente.

Em pleno século XVI, muitos literatos, sem romperem de todo com as normas do Classicismo, enveredaram já por um caminho estético mais dinâmico, menos submisso a regras, com maior liberdade de imaginação. A este modo de tratar as letras deu-se o nome de Maneirismo, como vimos.

Os escritores maneiristas mostram predileção especial por temas que acentuam as naturais limitações do homem na terra, a dor e desengano da vida, a fugacidade do tempo. E no seu estilo sobressai o gosto pelas metáforas ousadas, pelas antíteses, pelas agudezas verbais.

No século XVII, meados, esta transformação da estética renascentista prosseguiu e avolumou-se, a ponto de pouco ou nada conservar do Classicismo.

Os escritores de então, embora continuassem a admirar a cultura greco-latina, procuraram, numa ânsia incontida da originalidade, retorcer e exagerar as formas e apresentar aos leitores os assuntos mais inesperados pelos processos mais imprevistos. Daí o aparecimento da rebuscada artificiosidade do cultismo e do labiríntico discorrer do concetismo.

(Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA - I)


Cultismo

Tendência, típica da literatura barroca, para usar e abusar de metáforas cintilantes, requintadas, de hipérboles e de jogos de palavras. Corresponde à sobrecarga ornamental da arte plástica da mesma época (é lembrar as sumptuosas obras de talha das igrejas barrocas) e liga-se estreitamente ao concetismo no amor da agudeza e do chiste, no desejo de surpreender e maravilhar o leitor. O grande modelo seguido pelos nossos poetas cultos ou cultistas é Gôngora. O cultismo dirige-se em parte à imaginação sensorial, em parte à inteligência: Hernâni Cidade distingue entre jogos de palavras, jogos de imagens e jogos de construções (in A POESIA LÍRICA CULTISTA E CONCETISTA, Lisboa, 1938). Quer na poesia quer na prosa se encontram estes processos até meados do séc. XVIII. (...) O próprio Vieira, apesar de, no SERMÃO DA SEXAGÉSIMA, verberar os artifícios gongóricos de certos pregadores, não está completamente isento de jogos de palavras, e utiliza a cada passo construções paralelas, simétricas, desdobrando com virtuosismo os elementos dum contraste.

(Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA)


Concetismo

Tendência, característica da literatura barroca, para os jogos de conceitos, prova de engenho subtil, não menos estimada em poesia do que em prosa. Já se encontra concetismo no CANCIONEIRO GERAL e nos poetas petrarquizantes de Quinhentos, como Luís de Camões, mas no séc. XVII a tendência intensifica-se e toma aspetos novos, sob a influência dominante de Gôngora e de Quevedo. Embora cultismo e concetismo estejam intimamente unidos, frutos como são da mentalidade barroca, há autores predominantemente concetistas e de clara expressão - clássica, em certo sentido: é o caso do P.e António Vieira. Todavia, o pensar por simetrias e contrastes determina , no plano formal, paralelismos e antíteses; e Vieira é medularmente barroco pela vigorosa exuberância e pelo dinamismo interior que leva a criar artificialmente dificuldades lógicas para depois, com surpreendente agudeza, as resolver.

(Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA)


Crítica à Poética Cultista e Concetista

Quando vejo um poeta destes, que se serve de expressões que nada significam, ou que compõem de sorte que o não entendem, assento que não quis ser entendido, e, em tal caso, procuro fazer-lhe a vontade, e não o leio. Com esta sorte de homens faço o mesmo que com os labirintos e enigmas, etc., os quais nunca me cansei de decifrar. Eles que o fazem, que se divirtam com isso. Se todos assentassem neste princípio, veria V. P. como se mudava a poesia nestes países; porque seriam obrigados os poetas a lerem somente as suas obras; e, assim, ou se desenganariam eles mesmos com o tempo, ou não enganariam os outros; e poder-se-iam achar poetas de algum merecimento; principalmente se chegassem a conhecer quais são os requisitos necessários para a poesia. A razão destes inconvenientes é porque se persuadem comummente que, para ser poeta, basta saber a medida de quatro versos e saber engenhar conceitos esquisitos. Quem se funda nisto não pode saber nada: são necessárias muitas outras notícias. É necessário doutrina e entender bem as matérias que se tratam; é necessária a Filosofia, e saber conhecer bem as ações dos homens, as suas paixões, o seu carácter, para as saber imitar, excitar e adormecer.. Aqui entra novamente a Retórica, que supõe todas aquelas coisas; entra uma pouca de história, para não dizer parvoíces; entra a história da fábula, etc. Tudo isto se mostra manifestamente nos melhores poemas que temos da Antiguidade. (...) Onde, quem não tem estes fundamentos é versejador, mas não poeta; e necessariamente há-de dizer muita parvoíce.

(Luís António Verney (1713-1791), VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR, Carta VII)



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